Veneza e o Renascimento
Veneza e o Renascimento
O livro “O Mercador de Veneza” de Shakespeare, é uma abordagem interessante sobre assuntos polêmicos da Itália Renascentista (principalmente Veneza). No livro são retratadas as tensões entre judeus e cristãos católicos, divisão e exclusão social de estrangeiros, o medo e a repulsa contra o estranho e o diferente.
Shakespeare (1564 – 1616), tendo vivido em uma época em que tais tensões estavam contextualizadas em seu cotidiano, descreve na peça “O Mercador de Veneza”, o conflito entre um rico judeu (Shylock), e “bons cristãos” (Antônio e Bassânio), que precisam pedir dinheiro emprestado para que Bassânio ofereça um dote à sua amada Pórcia e possa se casar com ela.
Com tal empréstimo (3.000 ducados), Antônio se compromete em pagar tal dívida e assina um contrato no qual fica determinado que se ele não pagar o que deve a Shylock em três meses, deveria sanar a dívida com uma libra de sua própria carne (400 gramas), a qual seria cortada pelo próprio judeu. Esse fato pode ser encarado (e o é na peça) como a “prova” de que os judeus são sanguinários e “filhos do demônio”, principalmente quando Shylock se mostra impiedoso cobrando, sem acordos, a libra de carne como pagamento.
Aí entra também a questão do contrato. Na Veneza renascentista, o contrato era uma forma de acordo indissolúvel, onde ninguém, nem mesmo o Tribunal de Justiça, poderia anulá-lo, e caso o fizesse, seria uma forma de negar aos moradores da cidade a confiança na justiça, a qual se afirmava ser de todos e para todos.
Richard Sennett em seu livro Carne e Pedra faz uma abordagem usando a peça de Shakespeare para problematizar a questão dos guetos na Veneza renascentista, da atração que tinha Veneza para os estrangeiros, que enxergaram a cidade como oportunidade para o comércio e transações envolvendo não somente especiarias, mas também navegações, já que a cidade havia sido um importante centro da rota marítima da Europa anos atrás. Veneza tornou-se uma ilusão daquilo que ela já não era mais, pois já tinha entrado em crise por perder sua importância como rota marítima.
Nessa Veneza renascentista todos os males da sociedade (pragas e doenças como a sífilis), eram atribuídos aos estrangeiros e principalmente aos judeus. Essa questão aparece sutilmente na peça de Shakespeare quando os personagens mostram preconceito e repulsa pelos judeus, inclusive pela personagem Jéssica que é filha de Shylock e foge de casa levando todos os bens dos pais para se casar com Lorenzo. Ela aparece condenada a não ser salva por Deus, mesmo que se converta ao catolicismo, pelo fato de ser filha de judeus. A intolerância fica explícita quando um dos personagens (Lancelote) afirma que Jéssica está condenada por seus pais, e mais ainda por ter se convertido ao catolicismo, já que no mundo dos católicos não há espaço para judeus que se convertam.
Thayla Mercurio Ramon
Fontes:
SENNETT, Richard: “O medo do contato”, in: Carne e Pedra. Rio de Janeiro, Editora Record, 1997.
SHAKESPEARE, William: O Mercador de Veneza. Tradução: Bárbara Heliadora. Rio de Janeiro, Editora Lacerda Editores, 1999.