O Café e o Vale do Paraíba - Uma história de destruição da Mata Atlântica

10/07/2013 17:53

O Café e o Vale do Paraíba - Uma história de destruição da Mata Atlântica

Apesar de alguns aventureiros terem se arriscado a trazer café para o Brasil cem anos após o “descobrimento”,  somente no século XIX é que ele se tornou popularizado e rentável ao país. A introdução do café em larga escala começou no século XVIII no Maranhão, introduzido por franceses e holandeses.

Em 1772, Johan Hophman (holandês exilado no Brasil), que mantinha um horto no Rio de Janeiro, passou a distribuir sementes de café a quem quisesse cultivá-lo. Com o passar dos anos, a planta popularizou-se em lugares específicos, especialmente no Vale do Paraíba (situado entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo). No final do século XVIII, em 1790, pouco mais de uma tonelada foi produzida, chamando a atenção de Manuel Ferreira, que notou que o solo naquela região era propício à produção de café.

A partir de então, o café cresceu no mercado interno e logo começou a ser exportado. Os principais compradores do produto brasileiro eram nossos vizinhos estadunidenses. Isso porque para o paladar europeu, o café produzido no Brasil era de péssima qualidade.

Um dos efeitos da introdução do café no mercado brasileiro foi o crescimento econômico da aristocracia. O café tornou-se o principal produto das fazendas doadas em sesmarias pela corte e também foi a salvação da aristocracia colonial, que se encontrava mergulhada em grave crise financeira. Por isso, os grandes fazendeiros do café possuíam uma série de privilégios, porque a exportação do café era enormemente fortuita para o império. Privilégios com efeitos ambientais que podem ser vistos até hoje nas áreas de Mata Atlântica por onde se deu o seu cultivo.

O regime de cultivo do café era a plantation, ou seja, grandes áreas dedicadas ao cultivo de um único produto. No Brasil do século XIX, acreditava-se que o café deveria ser plantado em terra virgem, o que significava derrubar a mata nativa e substituí-la por uma monocultura. “O capital e o trabalho eram escassos demais para gastar no plantio em solos menos férteis” [1]. Aplicava-se então o regime de derrubada e queimada indiscriminadamente.

       

                                                          VASSOURAS - VALE DO PARAÍBA

Nos meses de maio, junho e junho, lenhadores experientes eram contratados para supervisionar uma equipe que deveria derrubar as árvores para preparar o solo ao plantio. Como o café foi primeiramente plantado em encostas, esse lenhador experiente observava um montante de árvores e decidia qual abater primeiro, na esperança de que esta rolasse montanha abaixo carregando muitas outras árvores consigo. Toda essa madeira era posta para secar e no mês de agosto era queimada. A quantidade de madeira queimada era tão grande que as cidades próximas às grandes fazendas de café ficavam tomadas por fumaça por meses.

O Vale do Paraíba tornava-se infernal. A nuvem de fumaça era tão imensa que nos meses de seca ela obscurecia o sol durante o dia e apagava as estrelas à noite[2]. Havia até quem cogitasse a hipótese, na época, de que a fumaça era, na verdade, uma “névoa seca anual”. Quando as chuvas começavam, a camada de poeira descia do sol e fertilizava o solo.

O resultado dessa prática foi desastroso para a Mata Atlântica. Segundo Warren Dean”

“Entre 1788 a 1888, o Brasil produziu cerca de 10 milhões de toneladas de café, quase todas passando pelos portos do Rio de Janeiro e Santos. Supondo-se que setecentos quilos fossem o rendimento médio por hectare, e supondo-se que o cafezal fosse produtivo durante 20 anos, então foi necessário desmatar para esse fim uns 7200 km quadrados de floresta primária, o equivalente a trezentos milhões de toneladas de biomassa florestal consumida em fumaça. Essa área representava aproximadamente 18% da superfície da província do Rio de Janeiro, onde quatro quintos desse café foram plantados. A essa área, deve-se acrescentar a floresta derrubada para subsistência da força de trabalho, que deve ter chegado, em média, a 140 mil pessoas”.

A característica do café é ser uma planta perene que produz por trinta anos com qualidade considerável. Por isso, um produtor de café que cuidasse bem de sua plantação garantiria estabilidade. Mas no Brasil isso não aconteceu: as plantas eram deixadas à própria sorte e usavam-se poucos escravos para fazer a manutenção em torno da área cultivada. A terra nunca era adubada e as necessidades mínimas da planta eram ignoradas. O cafezal precisa de sombra para tornar-se produtivo e por isso, em outros lugares do mundo, o café era cultivado com sombreiros naturais (árvores maiores preservadas em meio às plantações) - mas os produtores brasileiros ignoravam essa prática. Além disso, as mudas eram porcamente plantadas, entrelaçando-se vários pés num mesmo espaço, de modo que as árvores cresciam desordenadamente. Isso reduzia consideravelmente a produção além de gerar grãos de baixa qualidade.

Os pés de café assim plantados com tão pouco cuidado deixavam de produzir em um prazo de 15 a 20 anos. Quando um cafezal tornava-se improdutivo, o fazendeiro abandonava aquela terra e começava um novo ciclo de derrubada e queimada. O local tornava-se tão estéril que até hoje o Vale do Paraíba permanece “careca”. A floresta não se restabeleceu.

A produção de café no Brasil foi rentável ao bolso de poucos, destrutiva à natureza e indiferente à população local. À natureza, no entanto, os danos foram severos. A Mata Atlântica era um recurso não-renovável e sua rápida destruição – pela exploração açucareira, corrida do ouro ou pelo ciclo do café – nos deixa uma herança de desolação. Os lugares nos quais o homem “civilizado” pisou mostram que a relação que temos com a natureza é destrutiva desde a nossa origem. Resta saber se as novas gerações compreenderão o quão importante é estabelecer uma relação de equilíbrio com o meio ambiente.

Thayla Mercurio Ramon



[1] DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo: Cia. Das Letras, 2007 [1995].

[2] Idem