Marcha das Vadias - ENEM 2015

26/10/2015 14:03

Estava conversando com uma turma do segundo ano do Ensino Médio quando me deparei com o tema “Marcha das Vadias”. Meus alunos expressaram suas opiniões sobre o movimento dizendo frases como:

- “Uma passeata de prostitutas!”;

- “Reivindicando o quê? A mulher sai com roupa de vadia e não quer ser estuprada?”;

- “Se a mulher se veste daquele jeito, está pedindo para ser violentada!”.

                

Bem, meus alunos têm 15, 16 anos e talvez estejam repetindo as coisas que suas famílias disseram sobre o assunto. Indignada com aquilo que ouvia, expliquei a origem do movimento. Explique que as mulheres não são prostitutas (algumas talvez sejam e são as que mais sofrem violência por sua escolha profissional e devem ser igualmente respeitadas), mas mulheres que reivindicam o direito de ser e se vestir da forma que quiserem sem sofrer violência (física ou verbal). Expliquei que, independente da roupa que uma mulher usa, ela é dona do seu próprio corpo e o entrega somente a quem quiser e que qualquer tentativa de tomar o corpo da mulher à força é uma violência absurda.

A turma a qual me refiro é relativamente mista de guris e gurias, e me surpreendeu que mesmo as garotas se referissem ao corpo da mulher como objeto que pode ser tomado à força por causa da forma como ela se veste. Tentei argumentar com eles sobre o machismo extremo daquilo que estavam dizendo, mas meus alunos pareciam convencidos da verdade de seus pré-conceitos.

    

Voltei para casa indignada e triste. Perguntei-me centenas de vezes sobre o que estamos fazendo com a nossa sociedade e o que ensinamos diariamente às nossas crianças. Parece uma sociedade totalmente diferente daquela que almejávamos para o século XXI, na qual as lutas sociais e por direitos que começaram no século XVIII, deveriam resultar numa sociedade mais livre dos pré-conceitos que permitem violências e abusos contra vidas humanas.

Uma sociedade que permite violência sexual (ou verbal) contra uma mulher, usando como justificativa a forma como ela se veste, é uma sociedade que dificilmente irá aceitar o homossexual, o menino que quer brincar de boneca ou a menina que gosta de jogar futebol... É uma sociedade que vai olhar para a grávida de fio-dental na praia e julgá-la, mas que aceitará o lixo deixado na areia por outra pessoa, pois é o que “todo mundo faz”.

Um adolescente de 15 anos deveria compreender as motivações que levam algumas mulheres às ruas para reivindicar o direito sobre seu próprio corpo. Deveriam refletir a luta histórica de homens e mulheres que há anos tentam transformar a sociedade num lugar justo, com pessoas verdadeiramente livres. E digo verdadeiramente livre porque entendo que alguém preso à pré-conceitos é escravo deles!

Está na hora de revermos os valores que transmitimos às nossas crianças, pois é sabido que aquilo que as ensinamos a pensar é o que refletirão no futuro. Foram pais repletos de pensamentos preconceituosos que educaram as crianças alemãs responsáveis pelo holocausto. Foram crianças que se tornaram adultas e colocaram em prática os ensinamentos de seus predecessores. Isso é muito sério!

Montesquieu (1689-1755) disse uma vez que “uma injustiça feita ao indivíduo é uma ameaça a toda a sociedade”. Existe uma ameaça, ou estou ficando louca? O que estamos fazendo para frear essa ameaça? 

       

Esta publicação é do começo de 2014. Achei pertinente tornar a publicá-la uma vez que a discussão sobre violência contra as mulheres foi tema da redação e de algumas questões do ENEM 2015. O tema está em discussão nas redes sociais e minha maior tristeza/medo/angústia é ver tantos jovens - homens e mulheres - tratando o tema com descaso, hironia e violência verbal. Uma pena que continuemos educando monstros e não seres humanos! Como viveremos num mundo harmonioso se tantos ainda são formados por preconceitos, machismos e outros ismos que sujam a humanidade há milhares de anos? Isso é no mínimo uma amostra do quanto somos atrasados enquanto sociedade e postura ética! 

"Como professora eu aprendi que a ignorância é muito mais uma opção do que uma situação!"

"Crianças já sabem: sou menina, devo me esconder. Sou menino, devo mostrar minha força. A sociedade ensina, inclusive você!!!"

"A violência contra a mulher é tão antiga e tão perpetuada no Brasil que não existe uma  mulher sequer que não tenha um relato de violência para contar."

"Eu estava no ponto de ônibus usando short curto e cara passou a mão na minha perna. Nunca mais sai de short. Nunca mais fui livre. Nunca mais deixei de sentir medo."

E você? Qual frase usaria para definir a violência contra a mulher?