“Religião e Letramento”
Neste texto buscaremos desenvolver uma reflexão a respeito das utilizações do letramento observando o campo religioso, dentro do qual diferentes saberes são mobilizados para se chegar a uma visão de mundo específica. Desta forma, poderemos trabalhar com a relação entre cultura letrada e a construção de saberes.
As culturas orais mobilizam saberes dentro de uma lógica que pertence à própria cultura e que, fora da qual, ela se torna impraticável. Isto quer dizer que, para se vivenciar uma religião dentro de uma cultura oral é necessário viver dentro desta cultura. Assim sendo, a conversão torna-se muito difícil e este tipo de religião tende a se tornar própria de um local ou povo. O letramento, por sua vez, se relaciona com a possibilidade de conversa, pois é capaz de traduzir determinados valores a culturas diferentes. As grandes religiões de base escrita podem, assim, adquirir um caráter plural e universal, pois a palavra escrita pode ser conferida e consultada Neste contexto, os textos precisam se tornar canônicos e ter versões “oficiais” e “autorizadas”. Faz-se necessário preservar a palavra exata, pois esta é a que dá sentido às práticas.
A partir deste ponto, podemos notar que as sociedades orais, que dão a impressão de serem estáticas, pois preservam tradições “de geração em geração” pelos textos recitados, na verdade tendem a ser mais “maleáveis”, em certo sentido, do que aquelas que usam a palavra escrita. Na verdade, a oralidade permite maior adaptação ao contexto, permitindo que palavras e personagens sejam agregados ou omitidos de modo a se adaptar à situação da comunidade, transmitindo valores específicos em cada momento. A palavra escrita, por sua vez, se fixa, tornando sua adaptação ao contexto mais difícil, ainda que as interpretações a seu respeito possam variar.
A título de conclusão, podemos pensar que, enquanto as culturas orais se baseiam sobretudo na prática, incluindo o caso da religião, as culturas letradas dão à teoria, ou aos preceitos, um peso maior, visto que estes são mais facilmente fixados pela escrita e podem, assim, tornar-se universais.
Profª Drª Maria Rita e Rilton Ferreira Borges
Referências:
BURKE, Peter. “Sociologias e Histórias do conhecimento: introdução” e “A classificação do conhecimento: currículos, bibliotecas e enciclopédias” In: BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2003.
GOODY, Jack. “Prefácio” e “A palavra de Deus” In: GOODY, Jack. A lógica da escrita e a organização da sociedade. Lisboa: Edições 70, 1986.